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Mecanismo de Ação

 

 

 

Por vezes, o paracetamol é incluído na classe dos AINEs (anti-inflamatórios não-esteroides) devido aos seus efeitos analgésicos e antipiréticos. No entanto, este fármaco não apresenta ações anti-inflamatórias nem anticoagulantes significativas. Para além disso, quando utilizado em doses terapêuticas, não origina efeitos gastrointestinais adversos. [1]

 

Apesar de ser um dos analgésicos mais utilizados a nível mundial, o seu mecanismo de ação está pouco elucidado, existindo diversas teorias e argumentos em relação a este tema. [1]

Prostaglandina H Sintetase

Um dos mecanismos propostos está relacionado com a inibição pelo paracetamol da via da cicloxigenase (COX). Esta via leva à formação de mediadores envolvidos na inflamação, febre, agregação plaquetária e proteção da mucosa do trato gastrointestinal. Nesta via, a enzima prostaglandina H sintetase (PGHS, ou COX) promove a transformação do ácido araquidónico em PGG2, pela COX, e posteriormente em PGH2, pela POX. [2]

A COX é dependente da POX, na medida em que necessita de uma radical de tirosina-385 (Tyr385*) que, por sua vez, requer a presença do catião radical ferro-protoporfirina IX (Fe4+=OPP*+), que se forma na POX. O paracetamol, sendo um fenol, é um potente agente redutor, atuando como co-substrato redutor na reação que forma o Fe4+=OPP*+, diminuindo a sua disponibilidade ao nível da COX e, assim, diminuindo a ação desta enzima (Fig. 1). [1, 3]

Figura 1: Mecanismo de inibição da COX pelo paracetamol. Abreviações: AA – ácido araquidónico; AA* - radical ácido araquidónico; A* - cosubstrato oxidado; AH – cosubstrato reduzido; HPETE – hidroperoxidos de ácidos gordos; PGG2* - prostaglandina G2 com radical peróxido; PGH2 – prostaglandina H; ROH – álcool; Tyr385* - radical tirosina. (Retirada de Jóźwiak-Bebenista, M. and J. Z. Nowak, 2013) [4]

Apesar de atuar ao nível da COX, o paracetamol difere dos restantes AINEs, na medida em que a sua ação verifica-se predominantemente a nível do SNC, sendo a sua ação periférica insignificante. Para além disso, não apresenta efeitos anti-inflamatórios nem inibe o tromboxano A2. Estas diferenças justificam-se pelo facto de o paracetamol atuar com maior eficácia em ambientes com baixos níveis de peróxidos e de ácido araquidónico. Em ambientes inflamatórios, devido à elevada concentração de peróxidos oxidativos, o paracetamol não consegue exercer a sua ação inibitória da COX. Por outro lado, em células intactas, como é o caso das células do SNC, a concentração de ácido araquidónico é baixa, permitindo a ação do paracetamol, por oposição ao que acontece em células danificadas. [1 - 3]

Colocou-se, também, a hipótese da ação do paracetamol no isoforma COX-3 estar relacionada com a sua ação farmacológica. No entanto, esta associação apenas foi verificada em cães e não em ratos ou humanos, sendo improvável a sua influência na dor e febre mediada pelas prostaglandinas. [1]

Figura 2: Locais de intervenção do paracetamol ao nível do SNC (recetores canabinóides e serotoninérgicos). (Adaptada de Mallet, C., et al., 2008) [5]

Recetores Canabinóides

No cérebro, o paracetamol pode sofrer deacetilação transformando-se em p-aminofenol, que por sua vez se conjuga com o ácido araquidónico, através de uma enzima hidrolase, originando um composto denominado 4-araquidonoilfenolamina (AM404) (Fig. 3). Este composto não atua diretamente nos recetores canabinóides pois tem uma baixa afinidade para os mesmos. No entanto, é um potente agonista de um recetor vanilóide (TRPV1), para o qual apresenta elevada afinidade, que é um ligando de recetores CB1 e um inibidor da entrada de anandamida (etanolamida do ácido araquidónico). Assim, ocorre um aumento da concentração de canabinóides endógenos e uma diminuição de anandamida que levaria à ativação de nociceptores. Adicionalmente, o recetor vanilóide (TRPV1) tem também influência na termorregulação, podendo justificar assim a ação antipirética do paracetamol. [1, 5]

Recetores Serotoninérgicos

Figura 3: Formação de AM404 apartir do paracetamol (acetaminofeno). (Adaptada de Högestätt, E. D., et al., 2005) [7]

Vários estudos evidenciam a ação analgésica do paracetamol relaciona-se com a via serotoninérgica descendente, na medida em que potencia a ação da serotonina (5-HT), através de uma interação com os seus recetores. [1, 6]

Óxido Nítrico Sintetase

Outro mecanismo proposto é a inibição da NO sintetase pelo paracetamol. O óxido nítrico (NO) é um neurotransmissor produzido em resposta à ativação do recetor NMDA (N-metil-D-aspartato) e responsável pela amplificação da atividade nociceptiva neuronal. Assim, ao inibir a NO sintetase, o paracetamol tem a capacidade de diminuir a perceção da dor. [1]

Figura 4: Papel dos recetores NMDA e da óxido nítrico sintetase na perceção da dor.

(Adaptada de Pasternak, G. W. and Inturrisi, C. E., 2006) [8]

1.   Anderson, B.J., Paracetamol (Acetaminophen): mechanisms of action. Paediatr Anaesth, 2008. 18(10): p. 915-21.

2.   Toussaint, K., et al., What do we (not) know about how paracetamol (acetaminophen) works? J Clin Pharm Ther, 2010. 35(6): p. 617-38.

3.   Smith, H.S., Potential analgesic mechanisms of acetaminophen. Pain Physician, 2009. 12(1): p. 269-80.

4.   Jozwiak-Bebenista, M. and J.Z. Nowak, Paracetamol: mechanism of action, applications and safety concern. Acta Pol Pharm, 2014. 71(1): p. 11-23.

5.   Mallet, C., et al., Endocannabinoid and serotonergic systems are needed for acetaminophen-induced analgesia. Pain, 2008. 139(1): p. 190-200.

6.   Pickering, G., et al., Analgesic effect of acetaminophen in humans: First evidence of a central serotonergic mechanism. Clinical Pharmacology & Therapeutics, 2006. 79(4): p. 371-378.

7.   Hogestatt, E.D., et al., Conversion of acetaminophen to the bioactive N-acylphenolamine AM404 via fatty acid amide hydrolase-dependent arachidonic acid conjugation in the nervous system. J Biol Chem, 2005. 280(36): p. 31405-12.

8.   Pasternak, G.W. and C.E. Inturrisi, Feeling pain? Who's your daddy. Nat Med, 2006. 12(11): p. 1243-4.

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